Analógicas
Perdi as contas de quantas vezes criei expectativas com fotografias que nunca foram reveladas. Algumas cenas que ficaram na minha memória no exato momento que tirei a foto. Depois, recebia a mensagem "seu filme saiu vazio, sem fotos". Ou vezes que as fotos foram reveladas, mas com boa parte do filme subexposto/superexposto.
O contrário também já aconteceu, filmes que ficaram guardados por tanto tempo que esqueci do conteúdo. E quando chegaram, foi uma grata surpresa. "Olha só! Tinha esquecido desse dia". Mas na maioria das vezes, foi uma frustração. Tem a questão do gasto, é claro. Não é algo barato. Ter a câmera, mandar para revisão — que também é um risco, câmeras recém revisadas já deram problema justamente em viagens importantes. Sem contar o gasto de comprar o filme, enviar para revelação. E olha que quase sempre quem se encarregou de toda a burocracia que envolve a analógica foi o Luiz.
Ainda assim, tem uma coisa, uma aura. A aura da obra de arte, pra lembrar do Walter Benjamin. Não tenho a mesma sensação com as imagens de uma mesma cena que saem praticamente iguais no rolo da câmera do celular. Essas variações não instigam minha sensibilidade com a imagem da mesma maneira que uma fotografia analógica.
É claro que a fotografia está incluída no contexto da reprodutibilidade técnica. Ela pode ser replicada, reproduzida, copiada. Inclusive, é necessário fazer um parênteses: não vejo a reprodução como um problema, outras versões de uma imagem atualizam o objeto reproduzido, geram questões distintas para quem a vê.
Ainda assim, existe uma sensação de autenticidade com a analógica. Talvez esteja implicada nesse risco de perder a imagem. “Será que essa foto saiu?”, "será que voltarei a ver essa cena em uma fotografia?". Abrir mão do controle de ter a imagem também faz parte da emoção, da construção de expectativa que é criada.
Dito isso, fiquei muito ansiosa com as imagens que fiz na Argentina. Dentre perdas e subexposições, algumas fotografias ficaram. Achei que era hora de reproduzi-las da pasta do meu computador para essa publicação, mesmo com toda a ambiguidade que isso trás. Assim, espero, ganharão um outro sentido juntas à esse ensaio.
Dedico todas elas ao Luiz, meu companheiro de viagem, das discussões sobre fotografias e guardião dos filmes, com quem divido ao mesmo tempo a persistência e o amor pelas imagens.
Não sei se no futuro olharemos para elas lembrando de que achei que estava usando um filme colorido ao invés de um preto e branco. Ou se lembraremos da vez que paramos na esquina e decidimos nos fotografar ao mesmo tempo. Ou que ruas são essas.
Mas certamente vale anexar uma nota para não esquecer: aqui fomos felizes.